Capela

 

Onde começa a Serra do Gandarela? Onde termina? Não se sabe ao certo.

Suas montanhas entornam boa parte de vários municípios; dentre eles: Ouro Preto, Mariana, Santa Bárbara, Caeté, Sabará, Nova Lima, Rio Acima, Itabirito. Sua vegetação é como uma colcha de mata atlântica e de cerrado. Aqui e ali riachos, rios, cachoeiras, lagoas. O que mais se destaca, além da cordilheira, é a riqueza mineral.

No final do século XVII, chegam os primeiros exploradores, em busca de ouro e outras preciosidades. Encontram, e dão origem a conturbada civilização, que inclui conflitos entre brancos de origem portuguesa, enfrentamentos de índios, importação de escravos negros. Cidades nascem e crescem, tais como as anteriormente mencionadas, numa época de devoção cristã que estimula a criação de templos suntuosos e decorados com arte.

É difícil o transporte, é difícil a locomoção. Existem apenas trilhas, nem sempre bem conservadas, que servem aos tropeiros e demais viajantes. As tropas seguem de Ouro Preto (Vila Rica) para Sabará, ou de Nova Lima (Vila Nova de Lima) para o Caraça, ou de Itabirito (Itabira do Campo) para Mariana, e assim por diante.

São viagens demoradas, nunca inferiores a dois dias, que exigem pernoites e resistência para suportar intempéries.

Os viajantes que cruzam a Serra do Gandarela conhecem experiência extraordinária. As trilhas têm seu percurso construído nos vales e encostas. A certa altura do caminho, é possível avistar, bem ao longe, montanha muito alta, um pico, com uma edificação construída em seu cume. À medida em que se aproxima, fica cada vez mais claro de que se trata. Trata-se de uma Capela. Sim! Capela numa altura como esta! Não há viajante que não se ponha a pensar: quem a ergueu e de que maneira foi erguida? Mistério que se renova a cada vez que alguém a admira.

Qualquer que seja a origem da viagem, e qualquer que seja o destino, se a Serra é cruzada a Capela é vista. Torna-se ponto de referência. Os tropeiros chegam a dizer: antes da Capela, depois da Capela; ou então: antes do Morro da Capela, depois do Morro da Capela.

Muito variável é a leitura que se faz do monumento. Um tropeiro que parte de Sabará, ao vê-la no céu azul de maio, considera a silhueta da Capela uma verdadeira “aliança do homem com Deus”.

Outro tropeiro, que parte de Itabira do Campo, e que se perderia na viagem se não se orientasse pela Capela, agradece sua existência e a denomina “símbolo da união entre os homens”.

Um viajante que parte do Caraça, fica embevecido com a delicadeza de seus traços arquitetônicos, com os reflexos dos raios solares na obra, com a beleza das montanhas ao seu redor, e solta a exclamação: “paradigma da união do homem com a natureza”.

Tudo isso pode ser eloquente, mas não resolve o mistério. Uma tropa mais bem equipada parte de Morro Velho (Vila Nova de Lima) e, ao passar pelo Morro da Capela, decide explorar o local e elucidar o enigma: quem e como a construiu. A trilha fica relativamente longe e um contingente é destacado para chegar perto. À medida em que se aproxima, outras montanhas entram no campo de visão, e a Capela desaparece. Por mais que se tente, não se consegue recuperar a visão do Morro da Capela, nem tampouco vislumbrar alguma pista que leve até ele. Após inúmeras tentativas, o contingente volta desesperançado.

Notícia corre. Toma-se conhecimento de outras tentativas análogas, com tropas que partem de diferentes origens. O resultado é o mesmo: à medida em que se aproxima, a Capela some do campo de visão e não se consegue encontrar um acesso capaz de esclarecer.

O mistério não termina, mas ela continua orientando os viajantes e encantando os piedosos e os amantes da natureza.

 

O tempo passa. Mineradores perdem terreno para empresas mineradoras. Casas de fundição dão lugar a siderurgias. Trilhas e tropeiros são substituídos por estradas e caminhões. Trem de ferro. Trilhas, agora, só servem para motos. Aviões e helicópteros cortam os ares, sendo a Serra vista lá do alto. Em 2014, é criado o Parque Nacional da Serra do Gandarela.

E a Capela? Uma hipótese é que, apesar da solidez de sua construção, não resiste ao tempo e, com a falta de manutenção, desmorona-se no alto do pico.

Alguns viajantes, não obstante, dão por certo que ela ainda existe, e que são testemunhas disso. Não é um grupo muito numeroso. E ao que tudo indica, cada vez menor.

 

 

 

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